Presidenta do TSE considera ruim para a democracia
o descrédito na política e defende que a mentira eleitoral precisa ser punida
como crime
ISTOÉ ENTREVISTA
por Izabelle Torres
Pela primeira vez na história, uma mulher estará no
comando das eleições municipais deste ano. Com a disciplina de quem cresceu em
colégio de freiras e o traquejo social de quem adora uma boa conversa, a
presidenta do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, acompanha
pessoalmente cada detalhe do pleito. Na memória estão os nomes de uma centena
de cidades que receberão reforços de tropas federais para garantir a segurança
e o nome de governadores, para quem telefona quase diariamente perguntando
sobre os preparativos. Está preocupada com serviços de telefonia, eletricidade
e segurança.
“Eu faço o possível para que tudo saia 100%. A eleição é o ápice
da democracia”, diz. Reconhecida pelo rigor de seus votos em casos de
corrupção, Cármen Lúcia conta nesta entrevista à ISTOÉ que não vai permitir a
diplomação de políticos com a ficha suja, apesar da demora da corte em julgar
os recursos de candidaturas. Com o processo eleitoral ocorrendo no auge do
julgamento do mensalão, a ministra se diz preocupada com os crimes cometidos em
nome da governabilidade.
ISTOÉ ENTREVISTA
por Izabelle Torres
Fotos: Adriano Machado; DIDA SAMPAIO/AE
Fonte: www.istoe.com.br
Istoé
-
Ao julgar os réus do mensalão acusados de receber
dinheiro em troca de apoio ao governo, a sra. fez um apelo para que as pessoas
não desacreditem da política. Qual o seu temor?
Cármen Lúcia -
Quando se julga um político de projeção, eu fico
preocupada. Em vez de a sociedade entender que é um avanço porque estamos
julgando, a pessoa acha que toda a classe política é igualmente corrupta. Os
jovens de hoje são mais individualistas do que os da minha geração e toleram
menos as diferenças. Tenho medo de que as pessoas, especialmente os jovens,
desacreditem na política e a deixem de lado. Isso seria muito ruim para a
democracia.
Istoé -
Esse descrédito não seria porque há outros
mensalões e mensaleiros espalhados pelo País?
Cármen Lúcia -
Não vamos desqualificar a atividade política. A
sociedade descrente pode levar à antidemocracia. O desencanto é uma letargia,
uma baixa imunidade democrática. Preocupo-me sobre que tipo de sociedade vamos
ter em 20 anos. O descrédito não pode haver. O julgamento em andamento é
justamente uma demonstração de que a política deve ser exercida dentro da lei e
segundo padrões éticos. É um sinal de que condutas criminosas serão punidas,
não o contrário.
Istoé -
Para justificar práticas criminosas, políticos
recorrem ao argumento de que todos cometem pecados semelhantes. Como enfrentar
isso?
Cármen Lúcia -
O modelo brasileiro é difícil. A dependência que o
Executivo tem do Legislativo pode ser uma porta aberta para o aliciamento. Pode
ocupar o espaço do convencimento pelo debate, que é o caminho correto. Mas
dificuldade com o sistema não justifica a criminalização de condutas. Você tem
que vencer esses desafios de articulação de forma correta. Todo julgamento no
STF tem dito que quem erra precisa pagar pelo erro. Isso derruba a tese dos que
acreditavam na impunidade.
Istoé
-
Que mensagem fica desse momento do Judiciário?
Cármen Lúcia -
A mensagem é: escolham bem para que a Justiça não
precise se posicionar. Mas, se os erros forem cometidos, estamos mostrando que
a lei está aí e é para ser cumprida. A sociedade começa a estipular padrões
éticos que devem ser observados. A Justiça começa a responder a essa demanda.
Istoé -
A Lei da Ficha Limpa está valendo, mas ainda há
muita discussão sobre sua efetividade. Como fazer para ela realmente funcionar?
Cármen Lúcia -
Acho que o segredo é informação clara. Esse é papel
da Justiça Eleitoral e também da sociedade civil. É preciso lembrar que o povo
tem liberdade para votar e essa possibilidade de voto livre tem de ser exercida
à exaustão. A lei é uma lei da sociedade e ela também tem de fazer esse papel
de informar e fiscalizar. As informações devem ser entregues com clareza ao
povo. Os órgãos estatais têm nisso sua obrigação.
Istoé
-
Como punir políticos que fazem promessas absurdas e
mentem para os eleitores?
Cármen Lúcia -
Acho um equívoco o fato de esse tipo de mentira ser
uma das poucas formas de conduta condenável que não prevê punições. Ela não
está discutida em nenhuma religião ou sistema social. Falo de religião porque o
direito penal colheu de práticas religiosas o conceito de errado e certo, mas
mentir nunca entrou nessa discussão. A mentira tem o mesmo desvalor de outros
crimes e, especialmente em eleições, precisa ser punida como tal.
Istoé -
A Justiça Eleitoral tem feito algo sobre isso?
Cármen Lúcia -
Na verdade, há um tipo de mentira que consiste na
fraude, e essa é fiscalizada de perto e com rigor. O Ministério Público nos
Estados tem feito um trabalho admirável quanto a isso. O conceito difícil de
fiscalizar é a mentira eleitoral, que é mais teórica. Esse conceito e sua
criminalização precisam fazer parte da cultura, chegando a todos os lugares do
País. Entendo que a tentativa de divulgar uma mentira pode gerar convicções
erradas por parte do eleitor e quem tenta fazer isso deve sim ser responsabilizado.
Istoé
-
O que preocupa o TSE nesta eleição?
Cármen Lúcia -
Nos preocupa a possibilidade de falhas na qualidade
dos serviços da telefonia móvel. O atraso de um telefonema particular pode
gerar um problema, mas no dia da eleição o mau serviço gera muitos prejuízos.
Nosso sistema é todo informatizado e isso depende da telefonia. Tive reunião
com a Anatel e com operadoras, porque as reclamações de consumidores sobre a
qualidade dos serviços nos deixam em alerta. Precisamos que a telefonia
funcione bem para fazer as conexões dos sistemas, a transferência de dados e a
apuração.
Istoé -
Mas o País também apresenta outras falhas de
serviços e segurança. Como enfrentá-las?
Cármen Lúcia –
Estou acompanhando pessoalmente os acontecimentos nos
Estados e cobrando de cada governador as providências necessárias. Enviamos
tropas federais para dezenas de cidades e acredito que os eleitores poderão
votar com tranquilidade, porque as polícias estarão prontas.
Istoé
-
O TSE ainda está com quase mil recursos de
candidaturas pendentes de julgamento. Como lidar com tamanho passivo?
Cármen Lúcia -
Fizemos o possível. As pendências serão julgadas
rapidamente. O que preocupa mesmo são os recursos que nem sequer chegaram ao
tribunal. A greve dos Correios atrasou a remessa desses processos sobre
candidaturas enviados pelos tribunais regionais. Nem sabemos quantos ainda
estão chegando. Nossa ideia era julgar todos antes da eleição, mas não sabemos
quantos recursos ainda estão para chegar.
Istoé -
O que acontece com candidatos que não tiveram seus
recursos julgados?
Cármen Lúcia -
Tudo o que diz respeito ao registro é nossa
prioridade número zero. Quem não teve julgado seu recurso vai para a urna com a
observação de pendência. Isso me preocupa porque podemos ter dificuldades até
depois da eleição. Mas minha ideia é de que ninguém com pendências será
diplomado. Tudo será resolvido até lá.
Istoé
-
O que o eleitor deve ter em mente quando for votar?
Cármen Lúcia -
Precisa lembrar que a lei é da ficha limpa, mas
quem vota limpo é o cidadão. O voto é que faz o País acontecer. Ou ele se
mantém igual ou ele muda. É preciso que o eleitor acredite nisso. Acredite no
sistema e na política.
Istoé
-
Há candidatos que declararam apenas repasses feitos
por diretórios partidários para ocultar quem está bancando sua campanha. Como
resolver essa brecha na legislação que ainda permite manobras desse tipo contra
a transparência?
Cármen Lúcia -
Esse é um entrave que precisamos resolver. A doação
precisa ser explicitada e divulgada em tempo real. Quem doa para um partido
precisa aparecer. É preciso que se lembre que, apesar de o doador ser um
particular, o partido político é pessoa jurídica de direito privado, mas cumpre
função pública. Os partidos não podem se comportar como se fossem uma empresa.
Nós teremos de preencher essa lacuna rapidamente.
Istoé
-
Uma nova legislação sobre a forma de financiamento
resolveria? Hoje se discute o financiamento público de campanhas.
Cármen Lúcia -
Há muitas discussões em andamento. Acredito que uma
das principais é a permissão para a pessoa jurídica doar. Um cidadão doando se
compromete, personifica a contribuição. Já quando são as empresas, fica difícil
saber quais os interesses por trás dessa doação. Por isso, deveria haver um
sistema capaz de dar clareza. Isso depende do aprimoramento na legislação. Por
outro lado, acho que uma mudança na jurisprudência da Justiça Eleitoral poderia
ajudar. Falo de tomar decisões a favor da transparência total e imediata.
Istoé
-
Que legado a sra. pretende deixar como a primeira
mulher a comandar a Justiça Eleitoral?
Cármen Lúcia -
Gostaria de sair com a certeza de que a Lei da
Ficha Limpa está em pleno vigor. Acho que podemos contribuir para mudar o
padrão ético da política. A Justiça tem um papel importante para fazer com que
os princípios constitucionais sejam obedecidos e o cidadão tenha certeza de que
o resultado das urnas foi a vontade democrática da maioria, que fez a escolha
observando as condutas dos políticos.
Istoé -
Que conselho a sra. pode dar aos eleitores
brasileiros?
Cármen Lúcia -
Espero que o eleitor acredite nele. O eleitor não
pode se esquecer, especialmente nos rincões do País, que ele é livre para
escolher e votar. Ninguém pode interferir nessa escolha. No exercício dessa
liberdade é que se pode acabar com situações indesejáveis.
ISTOÉ ENTREVISTA
por Izabelle Torres
Fotos: Adriano Machado; DIDA SAMPAIO/AE
Fonte: www.istoe.com.br
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